Cirurgia de Jatene: 40 anos devolvendo recém-nascidos à vida
Poucos médicos foram tão decisivos para o ramo da saúde quanto o professor e doutor Adib Jatene (1929-2014). Expoente da cirurgia cardíaca mundial, ele deixou muitos legados – além das conquistas como cirurgião, desenvolveu técnicas e realizou procedimentos de altíssima complexidade, como a idealização de coração e válvulas artificiais, nos anos 50, e a cirurgia mundialmente conhecida como Operação de Jatene, que faz 40 anos.
Realizado em bebês, o procedimento consiste na inversão da posição da artéria aorta e da artéria pulmonar, colocando-as na posição correta, para que o sangue que passa pelo pulmão e é oxigenado seja distribuído pelo corpo da criança e permitindo que o cérebro e todos os órgãos vitais recebam oxigênio.
A Operação de Jatene foi realizada pela primeira vez com sucesso pelo Prof. Adib Jatene em maio de 1975. A indicação, naquele momento, era para tratar uma cardiopatia congênita conhecida como transposição das grandes artérias (TGA).
Essa cardiopatia é considerada, mesmo nos dias atuais, um caso complexo, de alto risco para os bebês, e, se não tratada, leva à morte de mais de 90% das crianças no primeiro ano de vida.
“Naquela época, já existiam alternativas cirúrgicas para o tratamento, mas eram operações que não resolviam o problema anatômico, a troca ou transposição das grandes artérias”, explica o doutor Marcelo Jatene, diretor do Serviço de Cirurgia Cardiovascular Infantil do InCor (Instituto do Coração) do Hospital das Clínicas da FMUSP e filho de Adib Jatene.
“Elas ofereciam uma alternativa de correção da fisiologia sem resolver a anatomia.”
Quando a criança nasce com as grandes artérias trocadas – saindo a aorta do ventrículo direito (deveria sair a artéria pulmonar) e a artéria pulmonar do ventrículo esquerdo (deveria ser a aorta) –, o sangue não consegue ser adequadamente oxigenado e o bebê apresenta a cianose. O sintoma principal é a criança ficar “roxa”.
Na Operação de Jatene, os vasos são trocados, juntamente com as artérias coronárias, para que haja a correção, oferecendo à criança a possibilidade de uma vida 100% normal. O ideal é que a cirurgia seja realizada nas primeiras duas semanas de vida, preferencialmente nos 2 ou 3 primeiros dias da primeira semana de vida.
“Costuma ser uma operação trabalhosa e complexa, com tempo total de realização entre 5 e 6 horas. Durante a recuperação, normalmente são 5 a 7 dias na UTI pós-operatória e mais 7 a 10 dias na enfermaria. E, após a alta hospitalar, pouco a pouco os bebês vão se recuperando, com o objetivo de levar uma vida normal”, explica o doutor Marcelo.
Após a cirurgia, há necessidade de acompanhamento constante em consultas periódicas com o cardiologista pediátrico responsável, além da realização de exames de acompanhamento. É possível que haja necessidade futura de tratamento de alguma complicação relacionada à operação, mas costumam ser ocorrências pouco frequentes.
Pode-se notar, assim, a complexidade de todo esse procedimento. Imagine, então, 40 anos atrás, quando as condições de estrutura hospitalar, experiência dos profissionais envolvidos e métodos de diagnóstico e tratamento eram bem diferentes do que se tem hoje em dia.
“Mesmo assim, com um enorme esforço, envolvimento pessoal e capacidade técnica dos envolvidos no processo, foi possível superar as dificuldades e se obter os resultados que se conseguiu”, diz o Dr. Jatene.
“É assim que a história da medicina costuma ser escrita, por meio de grandes ideias, muitas vezes simples, mas difíceis de executar, com pessoas especiais e determinadas que fazem uma grande entrega pessoal”, completa.
Foi exatamente assim há quatro décadas. O Dr. Adib Jatene se envolveu pessoalmente em todos os passos da operação, desde antes de realizar o primeiro caso com sucesso até todas as etapas cirúrgicas envolvidas.
O Dr. Marcelo explica que, antes de realizar a cirurgia, o próprio Dr. Adib estudou profundamente a anatomia da cardiopatia, discutiu intensamente com outros cirurgiões envolvidos no processo e programou pessoalmente todas as etapas da operação, além de cuidar diretamente dos detalhes do intra e pós-operatório.
Pouco a pouco, à medida que os anos foram passando, foi havendo uma maior experiência de todos os envolvidos, com resolução dos problemas inicialmente observados.
“Hoje em dia, costuma ser uma operação ainda delicada e complexa, porém rotineira e com excelentes resultados. Consequência de um grande esforço de muitos que se envolveram desde o início do tratamento da TGA”, finaliza Marcelo Jatene.
Revisão técnica
Prof. Dr. Max Grinberg
Núcleo de Bioética do Instituto do Coração do HCFMUSP
Autor do blog Bioamigo