Startup de saúde digital auxilia mais de 100 mil pessoas
O economista Michael Kapps, 27 anos, finalista do Prêmio Empreendedor Social de Futuro, destinado a jovens empreendedores com perfil inovador, trocou sua vida e seu trabalho no Vale do Silício, nos Estados Unidos, pelo desafio de criar uma startup de saúde digital no Brasil.
A Tá.Na.Hora (TNH) foi criada há três anos com o objetivo de atender grandes populações e áreas importantes para o poder público: primeira infância, saúde da família, doenças crônicas – entre elas obesidade e diabetes –, e epidemias, como a dengue.
“Hoje, já auxiliamos mais de 100 mil pessoas via mensagens SMS e estamos prontos para aumentar exponencialmente este número, não só pela procura que estamos tendo, mas pela ampliação de nossas soluções na área da saúde digital: este é o nosso objetivo”, afirma Kapps.
Antes de criar a empresa, o economista passou uma temporada na África, como voluntário. Em Gana, fundou uma ONG com amigos.
Em uma temporada de viagens, chegou ao Pantanal, época em que estudava economia na Universidade de Harvard. Nos quatro meses em que morou no Mato Grosso, tocou gado em uma fazenda e aprendeu português, andando a cavalo com um dicionário na mão.
Encantado com o Brasil, Kapps fundou a Tá.Na.Hora em sociedade com o amigo brasileiro, o advogado Juliano Froehner.
“Realmente, acreditamos que a gestão populacional e a medicina preventiva feitas de forma acessível, responsável e eficaz podem colaborar para o aperfeiçoamento do setor de saúde no país e no mundo”, explica o russo.
Kapps e Froehner recorreram, então, a uma tecnologia disponível desde 1990 e que está na mão de 9 entre 10 brasileiros: o SMS, a mensagem de texto via celular.
Com o envio de 57 mil mensagens por mês e atingindo 40 mil famílias, a empresa consegue gerar impacto social positivo em serviços de saúde de várias formas: na prevenção de doenças, no maior engajamento de pacientes com tratamentos, na redução de custos pela maior eficiência no atendimento, na redução das filas – e como ferramenta para estudos clínicos para medir a eficácia de novos medicamentos e vacinas.
Hoje, o SUS responde por 50% do faturamento da empresa, que conta com 50 programas diferentes – focados em doenças específicas e distribuídos em mais de 400 versões adaptadas para grupos demográficos. Os outros 50% vêm de contratos com o setor privado que fornecem a ferramenta para funcionários e planos de saúde.
Michael Kapps conversou com o site Coração & Vida. Confira abaixo a entrevista:
Coração & Vida – Como surgiu a ideia da Startup “Tá-Na-Hora”?
Michael Kapps – Conheci meu sócio, o brasileiro Juliano Frohener, na Faculdade de Harvard, ele fez Direito, eu Economia. Já na época, nossa identificação de ideias foi imediata. Eu tinha apenas 22 anos (era 2011) e estava vivenciando um período estressante. Como é comum por lá, tirei um período sabático e vim ao Brasil para vivenciar o dia a dia de um vaqueiro, experiência que realizei por alguns meses no Pantanal. Foi quando entendi que gostaria de trabalhar com algo transformador na área da saúde, principalmente por meio da tecnologia. Inicialmente fundei, com amigos, uma ONG em Gana, realizando campanhas educacionais contra malária. Algum tempo depois, reencontrei o Juliano em uma festa junina no Brasil. Na conclusão daquela conversa, no dia 23 de junho de 2012, a Tá.Na.Hora nasceu.
C&V – Poderia nos falar um pouco sobre como funciona esse trabalho digital de impacto social?
Michael – O conceito de Saúde Digital tem a premissa de alcançar facilmente, de forma prática, rápida e de baixo custo grandes grupos de pessoas para inspirar novos comportamentos relacionados à saúde, realizar monitoramento de sintomas de risco em doentes crônicos, acompanhar grávidas na gestação e posteriormente na primeira infância, prevenir doenças, combater epidemias, mas, sobretudo, democratizar o acesso da população a informações sobre saúde, bem-estar e qualidade de vida, pois a maior parte dos problemas na área da Saúde é gerada pela carência de informação – o que acaba facilitando a reprodução de comportamentos nocivos. Outro ponto é que o acesso da população à digitalização é cada vez maior, mas a maneira como a saúde é promovida não acompanha esse cenário. Assim, criamos sistemas automatizados, unindo tecnologia e inteligência artificial, para realizar conversas interativas, engajar e induzir essas mudanças de comportamento.
C&V – O aplicativo tem auxiliado no controle de epidemias no Nordeste e no estudo clínico da vacina contra a dengue. Poderia nos contar um pouco sobre isso também?
Michael – Não somos aplicativo (estamos em fase final de implantação, assim como para o lançamento de nosso robozinho via Messenger). Nosso sistema automatizado é conhecido como chatbot, “robozinho que conversa/interage” com quem participa de nossos programas, incentivando mudanças de comportamento relacionados à saúde. No caso de controle epidêmico, o robozinho pode dar dicas de prevenção à disseminação do Aedes Aegypti, até mesmo monitorando sintomas relacionados às doenças transmitidas pelo mosquito, como zika, dengue e chikungunya, por exemplo. Como tudo é digital – via SMS –, o comportamento de cada participante se transforma em dados que servem de análise para as prefeituras atuarem rapidamente quando necessário ou mesmo na identificação de riscos e até em uma aproximação com a população.
C&V – Umas das aplicações é para gestantes do SUS, um acompanhamento oferecido pela ferramenta que compreende o período pré-natal e os primeiros meses após o nascimento da criança. Como funciona?
Michael – Por intermédio das prefeituras que contratam o programa SMSBebê, oferecemos um acompanhamento muito próximo à futura mamãe durante o período gestacional, oferecendo dicas e informações sobre a gestação e os cuidados com o bebê, monitorando sintomas de possíveis riscos, lembrando das consultas (aumentamos a presença das grávidas em mais de 17%), incentivando a participação do pai (engajamos mais de 67% deles, que passaram a acompanhar suas esposas nas consultas), tudo via mensagens por SMS.
C&V – Você se formou em economia pela Universidade Harvard. Por que escolheu o Brasil para trabalhar?
Michael – Na universidade pude conhecer grandes brasileiros que me inspiraram a vir conhecer o País. Um deles era dono dessa fazenda no Pantanal em que fiquei fazendo meu período sabático – me encantei! Sou russo e, sendo assim, conhecedor das dificuldades sociais de um país em desenvolvimento, mas cresci no Canada e, francamente, o Canadá não tem problemas. Como disse, a questão de unir tecnologia para contribuir com algo transformador é mais profunda, é uma coisa de ideal, de alma. Todos os anos milhares de alunos se formam em Harvard, Yale, Princeton, mas quantos procuram uma atuação que realmente precise deles? Algo que eles possam contribuir de maneira gigantesca como acontece aqui no Brasil? Um outro fator que também foi importante é que me sinto confortável aqui, com a cultura, a natureza e as pessoas. Esta é a minha casa.
C&V – Você foi indicado ao Prêmio Empreendedor Social da Folha. É a sua primeira indicação a um prêmio? Como foi para você?
Michael – Posso ser o nome indicado, mas a indicação é mesmo da Tá-Na-Hora. Além de termos sido um dos três finalistas do prêmio Empreendedor Social da Folha de SP, já fomos indicados e ganhamos diversos prêmios. Um dos mais recentes foi o Prêmio da Criança, promovido anualmente pela Fundação Abrinq e que homenageia iniciativas que se dedicam à Primeira Infância, como o SMSBebê. Realmente acreditamos no poder da tecnologia para reduzir custos e realizar processos com mais eficiência, mas, principalmente, sabemos que é um meio eficaz e rápido para reduzir diferenças sociais e que pode realmente ser utilizada como ferramenta transformadora da sociedade.
C&V – Gostaria de deixar uma mensagem de incentivo aos jovens que estão começando uma profissão?
Michael – Vou falar para os jovens que querem empreender, porque é algo que conheço melhor. Acho que empreendedorismo não pode ser considerado um risco, mas sim uma carreira, que demanda muito mais trabalho do que um emprego normal.
Como qualquer profissão, também no empreendedorismo leva tempo para encontrar o caminho certo, então precisa ter paciência. Bastante paciência. Também sugiro que antes de começar essa “carreira” seria bom garantir que você esteja emocionalmente preparado. Apoio da família e amigos, em muitos casos, talvez seja crucial para o seu sucesso. Finalmente, o que vai mais valer será com quem você trabalha e não necessariamente as suas habilidades técnicas como dono de um negócio. Escolha boas pessoas para o seu time e sua empresa, desde o começo.
Revisão técnica
Prof. Dr. Max Grinberg
Núcleo de Bioética do Instituto do Coração do HCFMUSP
Autor do blog Bioamigo