Sua escova de dente está realmente limpa?
Você a utiliza diariamente. Duas, três, até mesmo quatro vezes em um único dia. Tudo para manter os dentes e a boca limpos. O problema é que tudo isso ocorre em um ambiente que também é utilizado para nossas necessidades físicas. Dessa forma, afinal, o que fazer para evitar que a escova de dente se transforme num depósito de bactérias e possíveis doenças?
Coração & Vida consultou o infectologista Antônio Carlos de Oliveira Misiara, do Hospital Sírio-Libanês, para esclarecer as principais dúvidas referentes à utilização da escova, bem como seu armazenamento e limpeza.
Segundo Misiara, de início, é necessário levar em consideração que a escova de dente é classificada como um material inerte. Ou seja, se for razoavelmente limpa, não guardará nenhum resíduo capaz de alimentar bactérias responsáveis pelas mais diversas enfermidades. Isso não significa que a escova esteja livre de bactérias – afinal, tudo no meio ambiente contém bactérias –, mas estas estão em quantidade insignificante no que diz respeito à possibilidade de gerar doenças.
“Tudo na natureza é coberto de bactérias. A mesa em que você come, os talheres que utiliza. A questão é que estão em quantidades pequenas. Quando falamos de algo vivo, como nós, seres humanos, por exemplo, somos cobertos de bactérias. Especialmente na boca, no genital feminino, no trato gastrointestinal. Proporcionalmente, a quantidade de bactérias na boca é muito maior do que as que estão na escova de dente”, afirmou o especialista.
De acordo com ele, portanto, é muito mais provável que a própria boca contamine a escova de dente, e não o contrário.
Ao se escovar os dentes, portanto, é extremamente necessário considerar também a limpeza do próprio objeto após todo o processo. Não se deve, por exemplo, simplesmente guardar a escova após o uso e nem mesmo iniciar a escovação de imediato, sem qualquer assepsia prévia.
Antes de iniciar a escovação, o correto é limpar a escova. Este deve ser o passo inicial, antes mesmo de aplicar a pasta de dentes. Depois de utilizada, não se deve secar a escova na toalha de rosto, já que isso contribuirá para a proliferação de bactérias junto ao item. Devem-se dar algumas “batidinhas” na escova para tirar o excesso de água e posteriormente guardá-la.
O especialista, entretanto, não aponta a necessidade de grandes “malabarismos” para preservar a higiene da escova. Sua limpeza, por exemplo, pode ser feita com água corrente, da própria torneira, em um procedimento simples realizado antes e depois da escovação. “É preciso lembrar também que a própria pasta de dentes já tem ações bactericidas”, complementa.
Ainda assim, alguns procedimentos podem ser observados como meio de evitar a proliferação de bactérias na escova. Assim como você não deve, de forma alguma, compartilhar sua escova de dente, também não é recomendável manter todas as escovas da casa fechadas e armazenadas em um mesmo recipiente.
Além disso, algumas pessoas utilizam pequenas “capas”, proteções que envolvem as cerdas de modo a poder transportá-las para o trabalho ou em viagens, por exemplos. Esses capas ou estojos devem ser higienizados com mais cuidado para evitar que a umidade e o ambiente fechado contribuam para o aumento de bactérias.
Misiara ressalta, no entanto, que infecções causadas por uma escova de dente não são comuns. O que pode ocorrer com mais frequência, explica o especialista, é a infecção causada pelo escovar do dente.
“No [ato de] escovar os dentes, você acaba produzindo micro traumas na boca e então circulam muitas bactérias pelo sangue. Neste caso, há doenças associadas, como a endocardite bacteriana, por exemplo. Isso, no entanto, tem muito mais a ver com escovar o dente do que com a escova de dente”, aponta.
E o vaso sanitário? Deve ser necessariamente fechado para evitar que suas bactérias cheguem à escova de dente? Para o especialista, a resposta é não.
“É uma paranoia muito grande. Seria a mesma coisa de sair com capa de chuva ao meio-dia em um dia de sol. A chance de chover é muito pequena. Coitada da bactéria, precisaria ser [uma atleta] olímpica para sair do vaso e ir até a escova de dente. É preciso lembrar sempre que a nossa boca é mais contaminada que a escova”, afirma.
Outros objetos
A preocupação de muitas pessoas com a correta limpeza da escova geralmente não se estende a outros objetos do dia a dia que podem guardar inúmeras bactérias em condições propícias à sua proliferação. O celular, por exemplo, também precisa ser higienizado com frequência, ainda que não entre em contato direto com a boca como a escova.
“O celular é diferente porque está sendo sempre manipulado. Ele pode ter resto de pele, de suor, substâncias que se transformam em ‘comida’ para as bactérias”, explica o infectologista.
Além disso, é preciso levar em consideração que o celular é usado atualmente em todo e qualquer ambiente, nas mais diversas situações: no banheiro, em meio ao exercício físico, durante as refeições. Se após todas essas atividades as pessoas costumam lavar as mãos, tomar banho, escovar os dentes, por que não devem se preocupar com a limpeza dos demais objetos?
O especialista, no entanto, faz questão de ressaltar que não se deve considerar a correta higiene apenas dos objetos, esquecendo-se assim da própria assepsia.
Para ele, é muito difícil considerar infecções pelo simples uso do celular, do relógio e de outros objetos do dia a dia, como uma caneta, por exemplo.
“Mesmo pensando em adornos como brincos, piercings, ainda que você faça um furo na sua orelha – vencendo um dos mecanismos de resistência a infecções bacterianas que é a integridade da pele –, depois de um tempo essa pele é organizada de modo que isso não aconteça mais. Nós temos mecanismos de defesa muito elaborados para que a infecção não ocorra. A infecção de pele precisa realmente de um corte ou algo do tipo para ocorrer. A infecção no pulmão requer uma aspiração da bactéria. O celular ou outros objetos não têm bactérias suficientes para isso”, explica.
O segredo, portanto, é atentar-se à higiene de uma maneira geral, seja sua ou de suas coisas e objetos. Sem paranoias ou exageros, mas recordando que a limpeza é parte essencial para uma vida com poucas infecções, mesmo que exposta a uma infinidade de bactérias.
“O celular precisa ser limpo como qualquer outra coisa precisa ser limpa. Como os óculos, o relógio, por exemplo. Como infectologista, costumo dizer: a pessoa que cuida minimamente da higiene das coisas, cuida minimamente da higiene dela. A pessoa que não cuida de nada da higiene de suas coisas, deveria estar muito mais preocupada com a higiene dela”, explica.
Para título ilustrativo, Misiara cita o (péssimo) exemplo do sujeito que limpa o celular e não toma banho, que limpa a escova, mas não escova os dentes. “A preocupação é muito mais centrada no homem do que nos objetos que circundam o homem”, completa.
Revisão técnica
Prof. Dr. Max Grinberg
Núcleo de Bioética do Instituto do Coração do HCFMUSP
Autor do blog Bioamigo