A influência alimentar vem do sangue?

09 de janeiro - 2018
Por: Equipe Coração & Vida

A ideia de que a alimentação saudável deveria ser diferente dependendo do tipo sanguíneo de um indivíduo surgiu há cerca de duas décadas. Foi em 1996 que o norte-americano Peter D’Adamo, cuja especialidade é chamada de “naturopatia”, publicou o livro “A Dieta do Tipo Sanguíneo” – e o tornou um best-seller traduzido para pelo menos 30 idiomas no final do milênio.

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O tipo de regime alimentar defendido por D’Adamo, dali por diante, seguiu indo e voltando como uma dieta popular. Em linhas gerais, o que ela prega é cada tipo de sangue guarda características particulares de evolução e histórico; por isso, um regime personalizado pode trazer benefícios dependendo se a pessoa tem tipo A, B, AB ou O correndo nas veias.

Foto: Shutterstock
Foto: Shutterstock

Depois do sucesso inicial da teoria de Peter D’Adamo, diversos estudos foram conduzidos para testar a efetividade da relação entre os alimentos e o sangue humano. A maioria descartou que os indivíduos, como sugerido pelo naturopata, poderiam ficar “mais saudáveis, perder peso e viver mais tempo”.

Segundo a dieta de D’Adamo, a alimentação deve acontecer, em resumo, assim:

– Aqueles com sangue tipo O devem escolher comidas ricas em proteínas e comer muita carne, vegetais, peixe e frutas, mas limitar grãos e legumes. Para perder peso, os frutos do mar, algas, carne vermelha, brócolis, espinafre e azeite são os melhores; o trigo, o milho e os produtos lácteos devem ser evitados.

– Aqueles com sangue tipo A devem escolher frutas, vegetais, tofu, frutos do mar, peru e grãos integrais, mas evitar a carne vermelha. Para perda de peso, também os frutos do mar, vegetais, abacaxi, azeite e soja são os melhores; deve ser evitado o leite, o trigo, o milho e os feijões.

– Aqueles com sangue tipo B devem escolher uma dieta diversificada, incluindo carne, frutas, produtos lácteos, frutos do mar e grãos. Para perder peso, devem escolher vegetais verdes, ovos, fígado e chá, mas evitar frango, milho, amendoim e trigo.

– Aqueles com sangue tipo AB devem comer lácteos, tofu, cordeiro, peixe, grãos, frutas e vegetais. Para a perda de peso, tofu, frutos do mar, vegetais verdes e algas marinhas são melhores, enquanto frango, milho, trigo e feijão devem ser evitados.

A teoria é que o tipo de sangue está intimamente ligado à nossa capacidade de digerir certos tipos de alimentos, de modo que a dieta adequada melhore a digestão, ajude a manter o peso corporal ideal, aumente os níveis de energia e previna doenças – incluindo câncer e doenças cardiovasculares.

No livro de D’Adamo, o tipo O, por exemplo, foi considerado o tipo de sangue “ancestral”, original dos primeiros seres humanos, que eram caçadores-coletores, daí se concentrar em proteína animal. Já o grupo A evoluiu quando os seres humanos começaram a cultivar, logo uma dieta mais vegetariana se faz necessária.

A lista dos alimentos permitidos, vetados e os neutros (que influenciam em nada a rotina) é bastante extensa no livro de D’Adamo; ele também explica que os cardápios devem ser seguidos à risca e coloca no programa a espécie de exercícios físicos que cada tipo sanguíneo precisar focar.

E funciona?

Pessoas que seguiram a dieta, em geral, atestam ter perdido peso e se sentido mais saudáveis. E então há duas observações sobre isso – nos dois estudos de mais fôlego realizados no tema.

Uma pesquisa conduzida na Bélgica em 2013 com mais de 1.400 artigos reunidos sobre dietas e sua relação com o sangue não encontrou nenhum benefício comprovado para esse regime. Outro estudo, de 2014, desta vez canadense, descobriu que pessoas que seguiam dietas baseada no tipo de sangue tiveram alguma melhora em certos fatores de risco cardiometabólicos (como colesterol e pressão arterial). Essas melhorias, porém, não estavam relacionadas ao tipo de sangue, mas à condução de mudanças na alimentação e atividade física.

A nutricionista Paula Hertel, de São Paulo, conversou com o Coração & Vida sobre a dieta. “Muitas pessoas podem ter resultados, pois melhoram a qualidade geral da alimentação, mas não há nada que de fato comprove esse método – estudos com um grande número de participantes comparando pessoas que fizeram a dieta e pessoas que não fizeram, por exemplo”, diz.

Nesse caso, outros tipos de educação alimentar poderiam surtir os mesmos efeitos. Outros especialistas concordam. “Os defensores da dieta do tipo sanguíneo podem dizer que, embora um estudo ideal ainda não tenha sido realizado no tema, também não há prova definitiva de que são ineficazes”, diz Robert H. Shmerling, responsável pelo setor de pesquisas em saúde da Universidade de Harvard.

“Também não há provas de que essas dietas são prejudiciais. Então, meu palpite é que o interesse nas dietas assim não desaparecerá tão cedo”, completa.

Shmerling lembra que, no caso dessa dieta, a restrição a certos tipos de alimentos é um “telhado de vidro” – pois um vegetariano com tipo de sangue O, por exemplo, não saberá colocar a proteína em seu cardápio.

Ele recorda também que a classe médica e científica simplesmente não consegue apontar essa ou aquela dieta como ideal. “E mesmo que o fizéssemos, aderir a uma única dieta ao longo da vida e do histórico pessoal, seria, no mínimo, desafiador”, diz.

Revisão técnica
Prof. Dr. Max Grinberg
Núcleo de Bioética do Instituto do Coração do HCFMUSP
Autor do blog Bioamigo

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