Crianças sofrem de privação do sono, afirma estudioso

11 de novembro - 2015
Por: Equipe Coração & Vida

Se imaginarmos o cérebro humano como um cofre, o sono pode ser considerado ouro puro. Isso é o que qualquer especialista em saúde diz – mas o doutor Paul Kelley, estudioso associado à Universidade de Oxford, no Reino Unido, vai um pouco mais longe. De acordo com a pesquisa de Kelley, crianças e adolescentes sofrem hoje de uma crise no caso da privação de sono.

A conta é que, em geral, crianças e adolescentes têm um “débito” de pelo menos 10 horas de sono por semana. E não apenas eles, na realidade.

Paul Kelley, estudioso associado à Universidade de Oxford, no Reino Unido - Foto: Guardian News
Paul Kelley, estudioso associado à Universidade de Oxford, no Reino Unido – Foto: Guardian News

“Somos uma sociedade que se priva do sono hoje em dia, mas a faixa dos 14 aos 24 anos é a que sofre mais privação que qualquer outro setor. E é um problema enorme. Isso provoca sérias ameaças à saúde, humor e o desempenho mental”, diz Paul Kelley. Esse comportamento pode, inclusive, comprometer a vida adulta.

O pesquisador avaliou dados para determinar alguns indicativos de horário para o início de aulas, por exemplo: entre 8 e 10 anos, as crianças deveriam entrar na escola por volta de 8h30; aos 16 anos, o horário ideal é 10h; aos 18 anos, somente às 11h o jovem tem condições de estar atento às atividades. Pode parecer drástico, mas Paul Kelley saca suas pesquisas e o apoio científico sobre o assunto.

Ele explica que, de acordo com a organização norte-americana National Sleep Foundation, que estuda o sono há mais de 25 anos, adolescentes não começam a liberar a melatonina, o hormônio que ajuda a regular o nosso relógio biológico, até cerca de 23h.

Essas secreções, então, não param de bombear através do sangue até de manhã, dificultando muito o ato de acordar cedo. Em resumo: eles, biologicamente, sentem necessidade de dormir e acordar mais tarde.

Ainda assim, para se adequar ao “horário comercial” regente no mundo todo, convencionou-se colocar as crianças na escola logo cedo. Nos Estados Unidos, 75% das escolas iniciam os trabalhos às 8h.

Em entrevista ao Coração & Vida, o professor Kelley foi categórico quando ouviu que, no Brasil, a média é que crianças em idade pré-escolar e daí por diante entrem na escola já às 7h.

“Isso é muito mais do que cruel. Ainda mais sabendo que, em muitas cidades brasileiras, o deslocamento até a escola leva bastante tempo”, diz ele. Aqui, não raro, crianças de 5 ou 6 anos acordam antes das 6h para pegar transporte escolar e chegar na hora marcada.

Esse “método cruel” não costuma ser muito avaliado porque as crianças parecem se adaptar – mas isso é um erro, segundo o professor.

“Com a idade de 10 anos, você levanta e vai para a escola e faz isso porque é obrigado a se encaixar no estilo de vida dos adultos”, diz Kelley. “Quando você está na casa dos 55 anos você também segue o padrão, mas no meio do dia ele costuma se alterar bastante e, não raro, todo mundo só começa a trabalhar de fato três horas depois de chegar, o que inclusive é totalmente natural.”

Alguns podem até achar que se trata de preguiça ou coisa assim, mas o sono – ou, no caso, a falta dele – pode afetar todo um quadro de saúde. No caso dos pequenos, podem prejudicar resultados em provas, causar oscilações emocionais e nas relações com a família.

Vale lembrar: os seres humanos deveriam passar ao menos um terço da vida dormindo. A necessidade de rediscutir os horários, especialmente no caso das crianças e dos adolescentes, deveria ser levada mais a sério pelos adultos de casa e das escolas. Afinal, isso pode significar um grande ganho futuro para adultos mais saudáveis.

Veja abaixo mais algumas observações do doutor Paul Kelley sobre o tema durante a entrevista para o C&V:

C&V: Professor, pela sua percepção, apenas as crianças estão sofrendo privação de sono?

Paul Kelley: Muitas pessoas estão sofrendo pela privação de sono – e não precisam. Mesmo adultos que trabalham deveriam começar às 10h, pois eles geralmente iniciam suas atividades com muito sono.

C&V: A falta de conhecimento científico (não perceber que é uma questão genética o acordar e dormir) é o que faz a sociedade continuar a manter esse ritmo?

Paul Kelley: A grande maioria das pessoas no Brasil (ou no Reino Unido ou nos Estados Unidos ou qualquer país) não percebe que a biologia de acordar/dormir muda na adolescência e por cerca de três anos além dela.  Se não mudarmos os horários de início nas escolas, nossos filhos terão um preço a pagar, como fraco desempenho, problemas de saúde e de saúde mental.

C&V: Algumas pessoas argumentam que dormir mais cedo pode resolver isso para os adolescentes, mas sabemos que, fisicamente, não é assim. Qual o seu conselho para escolas que persistem na obrigatoriedade de iniciar aulas às 7h, como ocorre muito no Brasil?

Paul Kelley: Fico feliz de poder dizer categoricamente meu recado para o Brasil: vocês precisam mudar suas escolas em prol especialmente dos adolescentes – vocês estão deixando todos eles esgotados. Os jovens irão melhorar na escola, serão mais saudáveis e terão humor e saúde mental melhores, se consideradas essas mudanças de início do dia para 8h30 ou até mais tarde.

Revisão técnica
Prof. Dr. Max Grinberg
Núcleo de Bioética do Instituto do Coração do HCFMUSP
Autor do blog Bioamigo

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