Depressão pós-férias atinge 23% dos profissionais

14 de julho - 2014
Por: Equipe Coração & Vida

Suzane G. Frutuoso 

Dores musculares, dificuldade para dormir, ansiedade. Parece o retrato de um profissional estressado, daqueles que precisam urgentemente de férias. Pelo contrário. Esse pode ser justamente o perfil de quem acaba de desfrutar dias de descanso, mas voltou ao trabalho.

Um levantamento da International Stress Management Association (ISMA-BR), no Brasil, revelou que 23% das pessoas sofrem de depressão pós-férias. Para eles, retomar o cotidiano no escritório causa problemas não só emocionais como também físicos. Desmotivação, preocupação, culpa e irritação se alternam com dor de cabeça, dores musculares, insônia e problemas gastrointestinais.

Em alguns casos, os profissionais que sofrem desse tipo de depressão abusam, ainda, de álcool, drogas, medicamentos, cigarro e comidas calóricas. É normal que exista alguma demora na readaptação ao ambiente de trabalho nas primeiras duas semanas, mas ao passar de 15 dias, é preciso buscar ajuda.

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Especialistas afirmam que a depressão pós-férias é, na verdade, reação a um sofrimento anterior de insatisfação profissional. Depois dos seguidos dias livres, o incômodo aparece com intensidade. A angústia pode ser desencadeada devido a um ambiente hostil, a conflitos nas relações de trabalho, à falta de oportunidade de crescimento e aprendizado na empresa.

Segundo a pesquisa, os profissionais mais vulneráveis ao quadro são os de finanças, saúde, informática e aqueles que não atuam em sua área de formação. Quando não há perspectiva de mudança para melhor e a pessoa não sai do trabalho pensando no salário que ganha, por exemplo, é o comum o surgimento de sentimentos como culpa e angústia.

O ideal, nestes casos, seria a troca de empresa ou mesmo de função. Ou seja, buscar por um emprego que trouxesse maior realização do que o atual. No entanto, na prática, esse movimento não é tão fácil. Por isso, recomenda-se que os profissionais se dediquem a hobbies e lazer. Cuidar da saúde com alimentação saudável e exercícios físicos também é importante, além de manter-se realizado e satisfeito na vida pessoal encontrando um ponto de equilíbrio.

Contraste entre prazer e desprazer

Flávia Marini, professora da faculdade de psicologia da Universidade Newton Paiva, em Belo Horizonte, Minas Gerais, diz que, antes de tudo, é preciso cautela com a definição diagnóstica. Os primeiros dias de retorno às atividades profissionais após uma temporada de férias podem ser difíceis. É comum um período de (re) adaptação à rotina, e, neste cenário, sensações de cansaço, desmotivação e desânimo podem surgir.

“No entanto, quando persistentes, tais sintomas podem caracterizar um transtorno emocional mais grave – com surgimento de reflexos de ordem física e emocionais. O estudo recente realizado pela ISMA-BR (associação integrante da International Stress Management Association), apontou um índice preocupante de profissionais neste estado”, diz.

Ela afirma que o problema não são as férias em si, mas o contraste entre prazer e desprazer que acaba por evidenciar uma situação já instaurada e, muitas vezes, pouco percebida pelo trabalhador. “Não é algo desencadeado de forma abrupta. É resultado de uma insatisfação que já era existente e somente foi percebida com maior intensidade após o período de férias.”

Atualmente, múltiplas atribuições são impostas às pessoas em âmbito pessoal, familiar e profissional. Há grande sofrimento frente à dificuldade em conciliar todas as exigências e expectativas propostas. Dentro desse quadro, alguns profissionais têm consciência de que o trabalho lhes faz mal. Evitam mudanças, porém, em decorrência do salário ou de outros benefícios que a ocupação traz. A angústia aparece principalmente quando não há possibilidades de mudanças. Em alguns casos, o foco principal de sofrimento encontra-se em âmbito pessoal ou familiar e se reflete na relação do indivíduo com o trabalho.

“Independente da intensidade desses sintomas, é fundamental refletir sobre essas manifestações e os significados que elas carregam, encarando esse exercício como uma oportunidade para rever escolhas e prioridades.”, completa Flavia.

  • Doente de trabalhar

Mudar foi a palavra chave para M.P., 33 anos, analista de sistemas. No depoimento a seguir, ela conta como a pressão no ambiente profissional minou sua saúde física e emocional, com sintomas psicológicos e físicos graves. Férias forçadas e a instabilidade a deixaram no limite:

“Tive várias crises de ansiedade, mas as mais fortes ocorreram em junho e julho de 2010. Nessa época eu trabalhava muito e alocada em um projeto problemático em uma multinacional. Trabalhávamos até 12 horas por dia. Eu perdia a noção do tempo. Comecei a confundir quando os fatos ocorriam. Não me lembrava se determinada reunião tinha ocorrido na parte da manhã ou no dia anterior.

Não tinha a pretensão de ser promovida nesse projeto, mas temia ser mandada embora. Acatava tudo. O meu coordenador direto delegava muitas atividades, não se importando se era sábado ou domingo. Talvez isso tenha sido um dos meus erros. Aceitar tudo.

Não estava vivendo uma fase feliz. Tinha muitos problemas familiares, era muito solitária, morava sozinha e vivia para trabalhar. Comecei a ter crises de choro ao acordar. Esse, aliás, foi o primeiro sintoma. Depois passei a ter muitas dificuldades em me concentrar. Não conseguia ler um texto por completo e interpretá-lo corretamente. A cabeça voava. Não conseguia definir atividades e a ansiedade foi crescendo. Não conseguia terminar minhas atividades e comecei a ser cobrada de forma excessiva.

Em junho de 2010, fui escolhida para fazer uma apresentação para o presidente da companhia que contratou os serviços da minha empresa. Foi uma sucessão de erros. Primeiro, o tema me foi passado de maneira muito vaga. Tive um entendimento diferente do esperado. A apresentação era numa segunda-feira, trabalhei no material no final de semana. No domingo, às 22h, o meu coordenador direto apareceu criticando o meu trabalho e alterando o tema da apresentação. Passei a madrugada inteira acordada fazendo as alterações e estudando.

Nessa época eu fumava e, naquela madrugada, foi mais de um maço de cigarros. Quando comecei a apresentar, a minha voz tremia, não conseguia estruturar frases, não lembrava o assunto que tinha estudado. Resultado: fui considerada a culpada pelo fracasso. De noite, réplicas de relógios em conversa com o meu coordenador, quando ele “me culpou” pelo ocorrido, não aceitei a culpa. Comecei a chorar compulsivamente e a gritar com ele. Quanto mais eu chorava, mais vergonha eu sentia e chorava ainda mais.

O projeto foi “pausado”. Não sei o motivo, mas com certeza essa apresentação foi um deles. Enquanto as empresas decidiam se continuavam ou não com o projeto, fiquei um mês em casa. Descansei bastante, dormi e passeei muito. Nós não sabíamos quando poderíamos ser chamados novamente. Em um domingo, às 22h, soube que deveria estar na empresa em outra apresentação, às 9h da segunda-feira. Foi a crise mais forte que eu tive. Chorei, vomitei, e tive palpitações, muitas palpitações.

Voltei a trabalhar e todos os sintomas relatados pioraram. Não me controlava mais. Às vezes sentia ânsia de vômito ao escrever documentos. Pedi férias. Quando voltei, pedi para sair do projeto. Fui sincera com o meu coordenador, contei o que estava acontecendo. Assim, fui alocada em um projeto de estudos. Fiquei superfeliz, mas essa realocação não durou nem 15 dias. Fui mandada embora. Chorei muito, não dormia e não queria comer. Consegui outro emprego logo. Demorou até que eu superasse, mas no fundo sentia que tinha sido o melhor para mim.

Depois de tudo isso, voltei a morar com os meus pais e fiz terapia. Nesta época não tomava remédio, mas quando retornei para São Paulo comecei com a medicação. Foi maravilhoso, tomei por seis meses apenas.

Fiz terapia durante um ano. Aprendi a mudar minha forma de pensar. Quando voltei para São Paulo, queria largar todos os problemas e começar uma vida nova. Parei de fumar e também me apaixonei, o que ajudou demais.

A última crise que tive foi no primeiro dia sem cigarro, há 2 anos e meio. Nunca mais tive episódios deste tipo. Estou muito mais segura. Adoro a empresa que trabalho hoje. Amo as pessoas que fazem parte do meu time. O dinheiro não é o mais importante, nosso bem estar sim. Agora, tenho tempo para cuidar de mim.”

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