“Descobri a hepatite C em um exame de rotina”, conta mulher que fez tratamento aos 19 anos
Por Eli Pereira
Classificados em ordem alfabética e com formas distintas de atacar o fígado, os vírus das hepatites não assustam tanto como há poucos anos. Com novos tratamentos, a chance de cura – no caso da perigosa hepatite C – beira os 100%. O maior entrave, porém, é descobrir quem está infectado para começar a fazer o tratamento precoce – que costuma sempre ser mais eficaz.
Como o subtipo C foi descoberto apenas no final da década de 80 e os testes para detectá-lo no sangue só começaram a ser feitos efetivamente em 1995, quem teve contato com agulhas possivelmente não esterilizadas, fez alguma cirurgia ou recebeu transfusão antes desse período deve procurar fazer um exame de sangue para verificar.
Diferentemente da hepatite A – que ataca o fígado, mas é de duração limitada – e da B – que é transmitida principalmente por meio sexual e há vacina contra ela –, a hepatite C carece de imunizantes e é a que mais tem chance de se tornar crônica. Silenciosa, vai lesando o fígado dia após dia, até que se chega a um ponto em que um transplante é necessário. Quando a infecção é descoberta a tempo, porém, é possível evitar que o dano seja tão grande e, em alguns casos, até reverter uma pequena parcela deles.
A consultora empresarial Orrana Rodrigues, 27, descobriu que era portadora do vírus da hepatite C aos 19 anos, em um exame médico de rotina, para trabalhar em uma empresa estatal.
“Me ligaram e pediram para eu repetir o exame, pois tinha dado um probleminha. Achei que era porque eu estava muito gripada”, conta ela. Mas não: era o vírus do tipo C.
Quando procurou especialistas para saber como faria o tratamento, a hepatologista explicou que é provável que Orrana tenha contraído o vírus aos três anos de idade, quando precisou de transfusão de sangue ao extrair um rim. Era 1993 e os testes para detectar o vírus nos sangues transfundidos ainda não eram feitos.
Oito anos atrás, os tratamentos contra a hepatite C ainda provocavam muitos efeitos colaterais, mas a médica optou por tratar Orrana imediatamente, pois o grau de dano ao fígado ainda não estava alto, o que aumentava a chance de cura.
“Fazia o tratamento em uma clínica oncológica, como se fosse quimioterapia. Tomava as aplicações e esperava um pouco para ir embora. Eram dois comprimidos de ribavirina de manhã e depois à noite, além de uma aplicação de interferon por semana”, conta.
Esses medicamentos de nomes difíceis eram os grandes responsáveis por provocar efeitos colaterais. Nos três primeiros meses do tratamento, Orrana sentiu-se como se estivesse com uma gripe muito forte.
“Fiquei com a imunidade baixa e acabei pegando pneumonia, não consegui ir mais para a faculdade e não consegui mais trabalhar”, lembra.
Com quase sete meses de tratamento, a boa notícia: não havia mais indícios de vírus no corpo. O tratamento acabou e Orrana ficou livre. “Hoje levo uma vida normal e desde então faço exames todos os anos, mas continua dando negativo”, comemora.
Orrana escapou de entrar na estatística de pessoas que, no futuro, podem precisar de transplante de fígado por causa dos danos causados pelo vírus. Infelizmente essa não é a realidade de 80% dos portadores de hepatite C, segundo a OMS, que ainda não estão cientes de que carregam um vírus que destrói o fígado lentamente.
Tratamento novo tem mais chances de cura e menos efeitos colaterais
Os incômodos que Orrana enfrentou há oito anos não são mais preocupação daqueles que vão receber os medicamentos novos para tratar a hepatite C.
O gastroenterologista Guilherme Eduardo Felga, do Hospital Albert Einstein, explica que antigamente se fazia a associação de medicamentos, e eles provocavam muitos efeitos colaterais.
“Era comum ter uma série de alterações de exames laboratoriais, além de redução de apetite, queda de cabelo e outras coisas”, diz. Mesmo com todo o sofrimento, o tratamento não era tão eficaz e curava no máximo metade dos infectados.
Outro tratamento surgiu, com uma nova combinação de remédios que aumentou a taxa de cura para até 70%. Infelizmente, ainda à custa de muitos efeitos colaterais.
De acordo com Felga, a nova geração de antivirais – lançada há três anos – mudou radicalmente esse panorama. “Os novos medicamentos têm baixíssimo perfil de efeitos colaterais e são altamente específicos para eliminar o vírus”, comemora.
Enquanto os medicamentos antigos estimulavam o organismo a combater os vírus, os novos só interferem na reprodução deles, reduzindo, então, os efeitos colaterais e aumentando a eficácia do tratamento, que chega a curar mais de 95% dos pacientes.
Importância de fazer o teste
Mario Kondo, gastroenterologista do Hospital Sírio-Libanês, alerta que a pesquisa para hepatites A, B e C deve ser parte dos exames de rotina.
“A finalidade é identificar se a pessoa tem proteção contra a hepatite A e B e, se não tiver, recomendar a vacina. Além disso, identificar os portadores crônicos dos subtipos B e C e decidir sobre o tratamento.”
Ele ressalta que é particularmente importante que os nascidos antes de 1965, os que receberam transfusão de sangue antes de 1995 e os usuários de drogas injetáveis sejam testados para hepatite C. No caso da B, quem não se vacinou e é gestante ou tem vários parceiros sexuais deve fazer o teste.
Revisão técnica
Prof. Dr. Max Grinberg
Núcleo de Bioética do Instituto do Coração do HCFMUSP
Autor do blog Bioamigo