Estudo levanta a questão da anemia falciforme
A anemia falciforme é uma doença hereditária e caracterizada pela alteração dos glóbulos vermelhos do sangue. Quando ela acontece, as membranas dessas células rompem-se mais facilmente, causando a anemia – uma condição que, segundo registros, é mais comum em indivíduos negros.
O caso é que, no Brasil, com a grande miscigenação que ocorre historicamente, ela vem sendo observada também em indivíduos pardos e brancos. E o pior: a anemia falciforme traz consigo anormalidades cardíacas frequentes e precoces. É aí que entra a importância de um estudo realizado pela pediatra e cardiologista Melissa Vieira Ribera, 35 anos, sobre a ecografia aplicada em pacientes portadores de anemia falciforme com menos de 20 anos de idade.
Melissa observou crianças e adolescentes de sua região natal, o Acre, a partir de 2011. O estudo foi recentemente publicado por uma revista médica estrangeira e, agora, a cardiologista vem levando o assunto a congressos em diversas partes do mundo.
“Por ser uma doença que afetava muito mais as populações negras e pobres, ela sempre foi extremamente negligenciada”, explica Melissa. “Daí a necessidade de alertar tanto a comunidade médica quanto as populações em geral para um olhar mais profundo sobre esse problema.”
O estudo sobre anormalidades cardíacas é essencial no contexto da anemia falciforme. Quando a detecção acontece apenas na idade adulta, as consequências de lesões crônicas no coração da pessoa portadora comprometem muito a qualidade de vida. Os sintomas comuns são muitas dores e infecções constantes.
Durante a pesquisa com crianças e adolescentes, Melissa constatou que as anomalias cardíacas foram observadas em 93% dos pacientes. Ou seja: o comprometimento do coração começa a ocorrer muito cedo.
O diagnóstico e o acompanhamento se mostraram, então, determinantes – já que o agravamento do quadro clínico pode levar a crises de dor, necessidade de transfusões de sangue, internações recorrentes e até AVCs.
A forma mais eficiente e precoce de detectar a anemia falciforme é com o teste do pezinho – procedimento gratuito e obrigatório que é realizado logo após o nascimento dos bebês. “O teste é essencial para verificar a ocorrência dessa doença, uma das mais negligenciadas do mundo”, lembra Melissa.
A incidência de anemia falciforme nas populações mundiais varia bastante – dependendo muito da ascendência racial. No continente africano, é altíssima, enquanto na Europa é baixíssima.
No Brasil, varia de estado a estado: na Bahia, por exemplo, a taxa é de 1 caso a cada 650 indivíduos, enquanto no Paraná é de 1 para 13 mil indivíduos. No Acre, local de pesquisa de Melissa, a taxa é de 1 para 3.300.
A pediatra passou a notar o problema ao se deparar com muitos casos nos atendimentos que fazia ao retornar para o seu estado após 12 anos de estudos fora (formada em Minas Gerais, ela passou por diversas partes do país, como Brasília e São Paulo).
“Ter nascido no Acre influenciou, sim, minha linha de pesquisa. As condições de acompanhamento, e mesmo a ocorrência da doença, como se nota, é muito diferente de grandes centros urbanos”, diz Melissa.
“Mas traços da anemia falciforme, na verdade, podem surgir em populações brancas e das cidades maiores também. Acho importante que a população como um todo conheça melhor o problema e, a partir daí, a causa ganhe visibilidade e possamos lidar melhor com ela.”
Revisão técnica
Prof. Dr. Max Grinberg
Núcleo de Bioética do Instituto do Coração do HCFMUSP
Autor do blog Bioamigo