Lichia não é alternativa para diminuir níveis de açúcar no sangue
Por Eli Pereira
Um estudo divulgado recentemente no periódico The Lancet investigou a razão de crianças indianas mal nutridas morrerem após a ingestão em jejum de lichias verdes em regiões da Índia: uma toxina presente na fruta provocava hipoglicemia. Mas será que adultos com diabetes podem se beneficiar desse alimento como um remédio para diminuir os altos níveis de açúcar do sangue e chegar a uma faixa tolerável? A resposta é não.
De acordo com a endocrinologista Denize Duarte Iezzi, do Hospital Sírio-Libanês, a ação da lichia verde é completamente diferente daquela que os diabéticos precisam para baixar a glicose, já que a glicose que circula no sangue depois de uma refeição não é afetada pela toxina.
Para que a fatalidade aconteça – e é apenas em crianças, pois o metabolismo delas é ainda imaturo – é preciso estar em jejum, pois é a substância tóxica presente na lichia que impede o corpo de reutilizar a glicose depositada na forma de glicogênio, ou seja, aquela que não está mais no sangue, mas já foi armazenada na refeição anterior para ser justamente utilizada como fonte de energia em momentos de jejum.
A toxina da lichia verde bloqueia o acesso a essa energia e, como as crianças estavam em jejum e não tinham outra fonte de glicose para normalizar essas taxas, eram levadas a um quadro de hipoglicemia.
“Se a pessoa não está em jejum, não vai precisar usar glicogênio [a glicose armazenada]. Isso só acontece em situação de jejum. Se ela está com glicemia alta, não vai baixar. Consumir lichia para controlar o diabetes é um conceito errado”, explica a médica.
Para os temerosos em quebrar o jejum matinal com lichias, a médica explica que não há o que temer, já que a situação aconteceu com frutas cultivadas bem longe do Brasil. “Nem toda lichia tem essa toxina. É preciso uma análise da composição, já que cada região produz de um jeito”, diz Denise.
De acordo com a nutricionista e personal diet Paula Mintz Hertel, o estudo é único, então não há como afirmar que a fruta pode fazer mal. “É seguro consumir na porção ideal, de 8 a 10 lichias maduras por dia”, tranquiliza.
Hipoglicemia é coisa séria
Muito açúcar no sangue faz mal, mas pouco é ainda pior. “Hoje a hipoglicemia é considerada tão ou mais perigosa que a hiperglicemia para o cérebro”, alerta Denise. De acordo com a endocrinologista, se a pessoa tem hipoglicemia, deixa de chegar glicose no cérebro. “A médio prazo, tanto para crianças como para idosos, há uma diminuição no desempenho cognitivo, como a demência”, detalha.
Se a glicose cai a níveis drásticos, é possível morrer pela descarga de adrenalina que acontece em consequência disso. “Se é um idoso, pode enfartar. Se tem um problema vascular no pé, pode perder o pé, já que a adrenalina é um potente vasoconstritor”, explica Denise. “A criança pode ter convulsão, embora o mais comum seja vomitar e aspirar o conteúdo para o pulmão.”
Denise explica que, por essa razão, os médicos flexibilizam a taxa de glicemia de acordo com cada faixa etária ou doença precedente. Se um idoso já teve infarto ou AVC, os especialistas não querem jamais que os níveis de glicose caiam, pois as consequências são sérias. Por essa razão, até toleram resultados de exames mais altos. O mesmo vale para a primeira fase da vida.
“Não queremos hipoglicemia em crianças de forma alguma, pois elas podem ter distúrbios de atenção e outros problemas na vida adulta, como queda no desempenho intelectual.”
Álcool e pré-diabetes podem causar hipoglicemia
Mesmo sem comer lichia verde, é possível ter queda de açúcar no sangue. O excesso de álcool, por exemplo, é um dos fatores de risco, principalmente em orientais.
“O oriental tem falta de uma enzima no fígado, então, quando ingere muito álcool, corre o risco de ter hipoglicemia. O álcool desencadeia isso em algumas populações”, explica Denise.
Além disso, pessoas pré-diabéticas podem ter queda do açúcar no sangue com frequência. Parece contraditório, mas isso acontece normalmente de duas a três horas depois de uma refeição farta, cheia de carboidratos que se transformam em açúcar depois da ingestão.
“A hipoglicemia ocorre por um defeito na secreção de insulina. A glicose já entrou nas células, mas o pâncreas continua liberando insulina”, diz a endocrinologista.
O excesso desse hormônio provoca a queda do açúcar, causando os sintomas que podem ser fatais se não percebidos a tempo. Para evitar o problema, a médica recomenda comer de três em três horas – sem exageros – e preferir alimentos ricos em fibras, já que eles mantêm os níveis de glicose adequados e constantes.
Revisão técnica
Prof. Dr. Max Grinberg
Núcleo de Bioética do Instituto do Coração do HCFMUSP
Autor do blog Bioamigo