Obstetra responsabiliza “comodidade” de mães e médicos por epidemia de cesáreas

23 de junho - 2016
Por: Equipe Coração & Vida

Dados indicam que 84% dos partos realizados na rede particular de saúde são feitos por meio de cesárea. Na rede pública, o porcentual é de 40%, mas esse índice vem crescendo ao longo dos anos.

Para a ginecologista, obstetra e mastologista Marianne Pinotti, secretária municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida, a epidemia de cesáreas no Brasil se deve à comodidade de mães e médicos.

Foto: Shutterstock
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Uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) divulgada nesta segunda-feira (20) estabelece que cesáreas a pedido da gestante só poderão ser realizadas a partir da 39ª semana de gestação, momento em que, segundo estudos, há menos riscos ao bebê.

Além disso, a mulher que quiser marcar a cesárea eletiva deverá assinar um termo “de consentimento livre e esclarecido” elaborado pelo médico que vai registrar formalmente a decisão.

Segundo o conselho, bebês nascidos antes deste período têm mais chance de apresentar problemas respiratórios, além de dificuldades para manter a temperatura corporal e se alimentar. A fase também é importante para completar o desenvolvimento do cérebro, pulmões e fígado.

Para o cardiologista Max Grinberg, do Núcleo de Bioética do Instituto do Coração (Incor), a resolução facilitará o diálogo médico/paciente no pré-natal.

“A norma deixa claro que, não havendo indicação médica para cesárea ao longo da gestação, o parto deverá ser vaginal. E na eventualidade de a gestante desejar a cesárea, o médico só poderá consentir a realizá-la, atendendo ao pedido, quando a gestação estiver praticamente ao termo”, explica o especialista.

Segundo ele, qualquer antecipação pode colocar em risco a naturalidade do amadurecimento do bebê.

“Evidentemente, qualquer nascimento prematuro tem algum tipo de risco, menor, ou maior, embora o progresso da neonatologia tenha trazido benefícios que minimizam eventuais deficiências ao nascer prematuro. Mas para que arriscar?”, questiona.

A discussão sobre regras para os partos tem sido alvo de polêmica nos últimos anos, numa tentativa de reduzir o alto número de cesáreas realizadas no Brasil.

Marianne Pinotti e a ginecologista obstetra Najla Mohamad Tayfour falaram ao site Coração & Vida sobre as novas regras e esclareceram algumas dúvidas. Confira:

Por que o conselho definiu o período de 39 semanas como limite mínimo?

Marianne – Porque a partir desta data há mais segurança sobre a maturidade dos pulmões do bebê.

Quais os riscos para o bebê que nasce antes desse prazo?

Najla – Bebês que nascem antes do tempo têm maior possibilidade de apresentar problemas respiratórios, como a síndrome do desconforto respiratório, e dificuldades para se alimentar e manter a temperatura corporal. Além disso, têm tendência a registrar altos níveis de bilirrubina, o que pode causar icterícia e, em casos severos, gerar danos cerebrais, assim como problemas de visão e audição.

E se o bebê tiver alguma complicação ou a gestante entrar em trabalho de parto antes desse período?

Marianne – Quando o determinismo do parto é natural já não há razão para inibirmos após a 37ª semana. Se não houver patologias associadas, estes recém-nascidos em geral evoluem muito bem, a natureza é sábia. Se existirem alterações que nos levem a indicar a interrupção da gestação antes do tempo, devemos sempre pesar os riscos e benefícios da indicação do parto naquele momento, neste caso teremos que lidar com as compilações oriundas da prematuridade, e, em grande parte das vezes, o prognóstico é bom.

A decisão sobre cesáreas visa proteger os médicos?

Najla – Não. Visa sim dar o direito da gestante de decidir sobre sua via de parto, e autonomia dos profissionais em atender a essa decisão.

Em que situações a cesárea é recomendada?

Marianne – Há muitas razões para sua indicação, que variam desde o tamanho e posição do bebê até a conformação da pelve materna, problemas durante o trabalho de parto e patologias maternas ou ligadas ao feto. Não tenho dúvidas de que o parto normal é melhor que a cesárea, porém não podemos esquecer que a cesárea, quando bem indicada, é um procedimento salvador de vidas. O que não pode haver são indicações por comodidade da mãe ou do médico pura e simplesmente, isso é que gera este grave problema da “epidemia” de cesarianas que enfrentamos.

As regras podem estimular um maior número de cesáreas a pedido da grávida?

Marianne – Não acredito. Vejo como positiva a mudança, não será uma forma de diminuir as cesáreas desnecessárias, porém pode proteger mães e bebês de passarem por uma situação de risco, isso enquanto criamos una nova cultura do parto normal. Para isso, deverá haver um movimento forte dos médicos, dos serviços de saúde, pois haverá necessidade de muitas adaptações nos espaços, nas equipes e nos protocolos; além de uma pressão vinda das mulheres, as maiores interessadas nesta mudança.

Revisão técnica
Prof. Dr. Max Grinberg
Núcleo de Bioética do Instituto do Coração do HCFMUSP
Autor do blog Bioamigo

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