Perspectivas de tratamento são excelentes, diz especialista
Thassio Borges
Confira a seguir a entrevista exclusiva com o psiquiatra Renério Fráguas Júnior, do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, sobre diagnóstico e tratamento da depressão:
Coração & Vida – A depressão pode ser considerada a doença do século?
Renério Fráguas Júnior – Falar dessa maneira é exagero. A depressão tem uma alta prevalência – 20% nas mulheres e 11% nos homens ao longo da vida – e compromete muito a qualidade de vida, mas classificá-la como a doença do século já seria levantar um alarde a mais. Ela é muito prevalente e está em evidência porque a capacidade de detectar a doença aumentou, o conhecimento aumentou e isso faz com que ela fique mais visível também. [Esse cenário] justifica ela estar tão saliente, tão conhecida por todos.
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C&V – É possível apontar causas para a depressão?
RFJ – Há um fator genético e um fator psicossocial. A depressão é uma resultante da interação desses dois fatores. Sabemos que o estresse precoce na vida aumenta o risco de depressão, principalmente em pessoas que tenham uma vulnerabilidade genética. Não é uma doença genética, mas existe uma maior vulnerabilidade para algumas variantes, para pessoas que tenham uma predisposição.
C&V – O senhor considera que ainda falta informação ao cidadão comum sobre a depressão?
RFJ – O primeiro grande problema de informação é a confusão que o nome traz. A palavra depressão tem domínio público. As pessoas usam “depressão” no dia a dia, de uma forma pessoal. Cada um tem o seu significado para a palavra depressão. Para a Medicina, como transtorno depressivo, há uma delineação muito clara do que é a depressão e do uso que as pessoas fazem desse nome. Esse é o grande problema. Todos sabem o que é depressão, mas a para a Medicina a definição é muito diferente daquela usada pelas pessoas no dia a dia. Para a Medicina, para a pessoa ter um transtorno depressivo, não precisa [necessariamente] ter um humor depressivo. Ou seja, as pessoas não precisam se sentir depressivas para receberem o diagnóstico de depressão. Elas podem ter uma diminuição de interesse, de prazer, um humor mais irritado. De imediato, isso [cenário atual] gera uma grande dificuldade de identificação do problema e de não aceitação do diagnóstico por uma grande parte de pessoas.
C&V – Ainda existe preconceito em relação à depressão mesmo entre quem é diagnosticado com a doença?
RFJ – Existe. Muito menos, felizmente, mas ainda existe. Principalmente em relação aos tratamentos farmacológicos para a depressão. É algo muito peculiar no nosso meio a visão que se tem do tratamento ou do medicamento antidepressivo. É comum as pessoas ficarem muito incomodadas ao receberem a prescrição de um antidepressivo, mas não tanto quando recebem a de um benzodiazepínico, de um hipnótico, de um indutor de sono. O antidepressivo, para muitas pessoas, ainda é visto com um medicamento mais pesado, mais forte, com esse tipo de conotação. Comparado com esses outros remédios, do ponto de vista de saúde, são medicamentos com perfil menor de efeitos colaterais, especialmente os mais modernos. O preconceito existe em relação à depressão e seu tratamento. No que diz respeito à depressão em si, faz com que ela ainda seja vista como uma indicação de fraqueza emocional, pessoal, ou ainda de que a pessoa não se esforça, é preguiçosa. Com frequência ainda existe esse tipo de conotação, de que a depressão seria algo para se envergonhar, de que aquilo é uma fraqueza, e consequentemente isso gera um desconforto na relação de quem tem [a doença]. Passa-se a ter uma cobrança em quem tem depressão, de familiares afirmando que ela precisa se esforçar, que ela precisa também fazer sua parte, como se a pessoa não estivesse sofrendo e enfrentando com todas as forças que pode o estado da depressão. Existe essa falta de compreensão em relação ao quanto à depressão de fato incapacita a pessoa. Quem tem depressão fica incapacitado, tem os rendimentos diminuídos, tem perspectivas diferentes do usual. Isso é difícil de aceitar e gera preconceito.
C&V – Havia um preconceito de que a depressão atinge majoritariamente a chamada classe média alta da população. Isso ajudou a fortalecer a ideia de que setores mais desfavorecidos não apresentam índices significativos da doença. Essa ideia ainda ecoa?
RFJ – A depressão atinge qualquer classe social. Inclusive a prevalência da depressão é maior em classes mais baixas, por dificuldades de acesso ao tratamento. Se você faz um levantamento populacional, as classes menos favorecidas têm uma prevalência elevada de depressão por dificuldades de acesso ao tratamento. São pessoas que são mais deprimidas e ficam assim por mais tempo.
C&V – A depressão atinge mais as mulheres?
RFJ – Sim, principalmente durante o período de vida da mulher onde ela está com os hormônios ativos do ponto de vista reprodutivo. Enquanto ela tem o ciclo hormonal feminino funcionando, é mais vulnerável à depressão. Na criança e no idoso, a incidência da doença é semelhante, mas a mulher tem uma incidência maior da menarca até a menopausa. Esse é o período de maior vulnerabilidade à mulher, mas depois disso é similar aos homens, com incidência igual.
C&V – Qual é o cenário da depressão hoje no Brasil? Os casos estão aumentando ou que evoluiu foi o diagnóstico?
RFJ – Nós temos vários fatores. O primeiro é que aumentou a detecção, principalmente de casos mais leves ou moderados. Com isso, se você compara com estudos antigos, há uma detecção maior hoje em dia. Segundo é que o próprio conceito de transtorno depressivo também se ampliou. O conceito atual de depressão acaba incluindo casos mais leves que anteriormente não eram incluídos ou que eram chamados por outros nomes, como por exemplo, neuroses. Além disso, embora os estudos sejam controversos, existe a perspectiva de que a real prevalência de depressão aumentou, o que não seria de se estranhar já que um dos fatores, o stress atual, é muito mais elevado do que era anteriormente. Isso certamente deve ter contribuído para que nós pudéssemos ter uma prevalência maior de depressão nos anos atuais. Então nós temos, por vários motivos, mais pessoas com diagnóstico de depressão [atualmente].
C&V – A depressão ainda é mal compreendida no Brasil?
RFJ – É mal compreendida por todos. Mesmo pela classe médica. Existe uma busca grande de melhorar o currículo médico, das Faculdades de Medicina, para que o médico em geral esteja preparado para identificar, detectar a depressão. A maioria dos pacientes com depressão procura um médico e não um psiquiatra. Ou seja, se nós quisermos ter qualquer ação efetiva na saúde pública, necessariamente precisamos incluir um médico não psiquiatra [nessas ações]. A revista norte-americana Circulation, uma das de maior impacto na Medicina e Cardiologia, já lançou dois painéis, em 2009 e 2014, chamando a atenção para o cardiologista e sua responsabilidade em detectar e encaminhar adequadamente o tratamento de depressão, quando não ele mesmo fazer esse tratamento. São painéis que declaram a altíssima prevalência de depressão e a grande associação da doença com transtornos cardiovasculares. Não só existe o impacto psicológico de quem tem um infarto que pode ficar ameaçado e ter um quadro depressivo por conta disso, como também o inverso. Quem tem depressão tem um risco 80% maior de desenvolver doença coronariana, ou seja, da depressão funcionar como um fator de risco cardiovascular de maneira similar ao diabete, à pressão alta, ao colesterol elevado. É por isso que, especialmente na cardiologia, a depressão ganhou muita atenção nos últimos 10, 15 anos.
C&V – Há diferentes tipos de depressão?
RFJ – Temos o transtorno depressivo maior, que é o mais difundido, quando a pessoa tem ao menos cinco dos sintomas depressivos. É uma depressão que pode ser até leve, moderada, mas tem uma sintomatologia maior, com diminuição de interesse ou o humor depressivo.
Temos também vários quadros depressivos que acompanham as doenças em geral e que não necessariamente terão os cinco sintomas. Você pode ter, por exemplo, sintomas depressivos decorrentes de um acidente vascular cerebral (AVC), sem que necessariamente preencha os cinco sintomas. Você pode ter depressão decorrente do hipotireoidismo. São quadros de depressão, que não têm essa configuração de transtorno depressivo maior, mas são sintomas decorrentes dessas doenças. São condições médicas que comprometem o sistema nervoso central.
Há ainda outros quadros depressivos associados a medicamentos e há também a depressão crônica, que tem longa evolução e nem sempre tem essa característica mais evidente de cinco sintomas. Ela permanece com três sintomas, de modo suficiente a comprometer a qualidade de vida da pessoa. É comum em depressão crônica você ter quadros mais leves e que, com frequência, são confundidos com a própria maneira de ser. Acaba-se considerando que é o “jeito da pessoa”. Apesar de não ser um quadro tão grave, acaba formando uma pessoa que não se dará bem nas relações pessoais, que não irá evoluir profissionalmente, que tem esses sintomas que comprometem.
C&V – Mas é perfeitamente possível tratar a depressão, certo?
RFJ – Isso é o que eu considero que mudou muito ultimamente. Nós temos tanto o tratamento com medicamentos, com menos efeitos colaterais, quanto tratamentos psicoterápicos altamente eficazes contra a depressão. Além de atividades físicas, que também melhoram o tratamento e a sintomatologia depressiva. Por mais que um tratamento isolado não seja, de maneira geral, capaz de levar à remissão completa dos sintomas, se a pessoa faz o que precisa, há uma grande expectativa de ter remissão completa dos sintomas. A perspectiva é excelente. O objetivo do tratamento é fazer com que a pessoa fique boa de tudo, e não “simplesmente melhore”. Outros transtornos não têm essa perspectiva, tem a ideia de apenas melhorar [os sintomas].
Na depressão é importante que a pessoa seja pró ativa no tratamento e não ache que simplesmente vai receber um remédio e estará resolvido. É preciso que a pessoa tenha uma busca ativa de mudanças para que possa se recuperar plenamente da depressão. As perspectivas são excelentes.