Novela estimulou doação de órgãos

12 de julho - 2014
Por: Equipe Coração & Vida
Reynaldo_Gianecchini,_2014_wikicommons
Personagem de Gianecchini passou por transplante em novela/Foto: Wikicommons

Cármen Guaresemin

A novela “Em Família”, da Rede Globo, levou ao ar nos últimos meses o drama de Cadu, personagem vivido por Reynaldo Gianecchini, que depois de descobrir um sério problema no coração precisou de um transplante rapidamente. Segundo o cardiologista Fernando Bacal, coordenador Clínico do Núcleo de Transplante do Incor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP), a conscientização da população em relação à importância da doação de órgãos aumenta quando a mídia aborda o tema, mesmo de forma ficcional.

Segundo dados da ABTO (Associação Brasileira de Transplante de Órgãos), em 2013 o total de transplantes cardíacos realizados aumentou 19% e atingiu 271 procedimentos. Entretanto, a taxa de 1,4 pmp (por milhão de pessoas) ainda é considerada baixa em comparação com outros países e há margem para crescimento, pois foram utilizados os corações de apenas 11% dos doadores. A boa notícia é que a sobrevida do paciente, em quatro anos, foi de 68%.

A seguir, leia a entrevista que Bacal concedeu ao Coração & Vida, explicando o cenário dos transplantes no País e os avanços obtidos pela ciência.Ele relata que o desafio, hoje, é estender esse tipo de cirurgia para todas as regiões do País: “Há Estados, especialmente no Norte do país, onde não são realizados transplantes. Não há equipes. Estamos tentando mudar isso.”

Coração & Vida – Uma novela pode impulsionar o aumento de doadores?
Fernando Bacal – Ajuda, mas é preciso lembrar que a espera pelo paciente, fora do hospital, é de 12 a 18 meses. Os que têm prioridade, por estarem num estado de saúde mais precário, ficam internados e precisam do transplante em dois ou três meses. O personagem Cadu não ficou internado e teve prioridade. Isso foi fantasioso. De qualquer forma, historicamente, sempre que uma grande reportagem é feita ou o assunto aparece na mídia, o número de doadores aumenta.

Coração & Vida – Isso aconteceu na época da novela “De Corpo e Alma”, de Gloria Perez, em 1992?
Bacal – Sim, a personagem Paloma, interpretada pela Cristiana Oliveira, também fazia um transplante. Naquela época, tivemos picos de doações. Porém, algumas coisas na vida real não acontecem nas novelas, como o transplantado conhecer a família do doador. Isso não é estimulado pelos médicos, pois pode trazer muita dor aos familiares.

Coração & Vida – Quais os tipos de transplantes feitos no Brasil atualmente?
Bacal – Temos o ortotópico, quando um coração é removido e em seu lugar, na posição original, é implantando um órgão saudável retirado de um doador. Há também o heterotópico, quando o coração do doador é implantado paralelamente ao original, para ajudar no bombeamento do sangue. Nestes casos, o paciente fica com dois órgãos. Esta técnica é utilizada quando não se pode remover o coração nativo. Porém, estamos tentando abolir este segundo, pois seu resultado não é muito bom.

Coração & Vida – As pessoas ainda têm medo de serem doadoras, pois acreditam que seus órgãos poderão ser retirados com elas ainda vivas?
Bacal – Sim, ainda pensam. Porém, para ser doador de coração, a pessoa precisa ter morte encefálica. Há certa confusão entre morte encefálica e estado de coma. Quando há morte encefálica, o coração continua a bater por mais um tempo, porém, é algo irreversível. Dois neurologistas fazem o diagnóstico. Também é feito um exame com imagens para comprovar a morte. Temos critérios muito rigorosos no Brasil.

Coração & Vida – Mesmo assim, ainda temos poucos doadores.
Bacal – Acho que aí entramos no campo da educação. A população é leiga nesse assunto, algumas famílias se recusam a doar os órgãos. Além disso, o doador efetivo tem de estar bem estabilizado, sem doenças importantes ou contagiosas. A viabilização dos transplantes só acontece com 15% a 20% dos doadores.

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Fernando Bacal é coordenador Clínico do Núcleo de Transplante do Incor
Foto: Yeska Nakamura/Divulgação

Coração & Vida – E a questão do tempo?
Bacal – O tempo de retirada e início do transplante é de quatro horas. O coração tem de estar batendo. Num país continental como o nosso, se temos um doador em Manaus, não dá tempo de trazer seu coração para São Paulo, por exemplo, que é o Estado onde fazemos mais transplantes. Há Estados, especialmente no Norte do país, onde não são realizados transplantes. Não há equipes. Estamos tentando mudar isso.

Coração & Vida – O transplantado está vivendo mais? Por quê?
Bacal – Sim, está. Se a pessoa tomar corretamente os imunossupressores (medicamentos que atuam no sistema imunológico), tiver uma boa qualidade de vida, fizer exames com frequência e visitar o médico ao menos duas vezes por ano, suas chances de viver mais só aumentam.

Coração & Vida – A porcentagem de rejeição é alta?
Bacal – Há um risco de 10% a 15%, ou seja, o índice de sucesso é alto, 85%.

Coração & Vida – Quais as características em comum que doador e receptor devem ter?
Bacal – O peso de ambos deve ter uma diferença de até 10%; os dois têm de ter o mesmo tipo sanguíneo e o doador até 55 anos, para transplantes de coração. Ser homem ou mulher não faz diferença.

Coração & Vida – A maior parte dos transplantes realizada no país é pelo SUS, correto?
Bacal – Sim, 95% são pelo SUS. O transplante é oferecido a toda a população, mas os convênios também fazem. Há um mito que o transplante feito na rede particular é muito caro, mas não difere de uma cirurgia de grande porte.

Coração & Vida – Resumidamente, a pessoa não precisa ter medo de ser doadora ou de passar por um transplante.
Bacal – O transplante hoje em dia é algo mais acessível e poucas medidas são tão impactantes para a qualidade de vida de uma pessoa. O Estado fornece os remédios e, além disso, temos centros hospitalares comparáveis aos melhores do mundo. Quando o assunto é transplante, tudo é muito organizado. As pessoas precisam informar suas famílias o desejo de serem doadoras.

Coração & Vida – Muitos médicos e pesquisadores estão utilizando as impressoras 3D para inovar na medicina. O senhor acredita que daqui a alguns anos teremos um coração feito desta maneira?
Bacal – Imagino que não. Acredito que vamos evoluir na área de engenharia de tecidos. Aqui no Brasil, inclusive, estamos pesquisando isso.

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