Transplante: a esperança de uma vida nova
Em 2010, o seminarista Edalto Miguel Pereira, hoje com 35 anos, foi estudar Teologia na Itália. Ele queria ser padre, mas uma doença no coração o forçou a retornar para o Brasil: Edalto precisava de um transplante cardíaco.
Transplantes: confira as dúvidas mais frequentes
A doença que o padre desenvolveu acomete 23 milhões de pessoas em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A insuficiência cardíaca, segundo um estudo publicado na revista Arquivos Brasileiros de Cardiologia, da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), matou, em um ano, 40% dos 1.270 pacientes analisados.
A insuficiência cardíaca pode ter várias causas. Segundo Fernando Bacal, diretor da Unidade de Transplante Cardíaco do Instituto do Coração (InCor), o problema pode aparecer em pacientes com histórico de doença de Chagas, hipertensão não tratada, doença coronariana, cardiomiopatia dilatada e outras doenças cardíacas. Contudo, nem todos os casos de insuficiência cardíaca levam a um transplante.
“A insuficiência tem uma série de tratamentos. Quando você esgota todos eles e não existe nenhuma outra opção, o paciente passa a ser elegível para transplante. A cirurgia é indicada quando existe um comprometimento importante da qualidade de vida e da expectativa de vida dos pacientes, sem outra perspectiva de tratamento.”
No caso do padre Edalto, dificuldades para respirar, andar e até para urinar o deixaram cada dia mais sensível e debilitado. Ele dependia de outras pessoas para realizar tarefas simples.
“Os sintomas principais são o cansaço, a falta de ar, o inchaço e a retenção de líquido. A pessoa também pode ter palpitação, tontura, fraqueza, dificuldade para se alimentar, para dormir e ofegância, mas os dois sinais principais são falta de ar e retenção de líquidos com inchaços”, afirma o cardiologista do InCor.
Em 2014, quando finalmente fez o transplante, o padre viu sua vida mudar. Poucas intervenções na medicina são tão impactantes na vida de uma pessoa como um transplante de coração.
“Um paciente que não conseguia antes tomar banho sozinho, cansava para dormir e para se alimentar, depois do transplante ele volta até mesmo a fazer esportes”, afirma Bacal.
Edalto, depois de transplantado, passou a fazer natação.
Apesar do impacto brutal do transplante na qualidade de vida, o número de intervenções realizadas no país ainda é insuficiente. De acordo com Bacal, no Brasil, 350 transplantes são realizados por ano.
“Considerando a demanda do país, precisamos fazer 1.100 transplantes por ano para resolver o problema, mas só estamos fazendo 1/3 do que deveríamos fazer.”
Maior conscientização
Segundo Roberto Kalil Filho, diretor do InCor, a melhora só virá se houver uma maior conscientização da população sobre a importância da doação de órgãos.
“O maior problema é que a população não se conscientiza de que tem que doar. Assim que tiver mais doador, terá mais transplante.”
A insuficiência cardíaca, no entanto, tem prevenção, dependendo da sua causa. Algumas doenças que provocam o problema podem ser evitadas.
“A prevenção se inicia antes da insuficiência de fato aparecer. Tudo que serve para evitar o infarto já vai ter algum impacto e essa prevenção se inicia em medidas como ter uma dieta com menos sal, controle da pressão, diabetes, tabagismo e realização de atividades físicas”, afirma o cardiologista Luis Seguro, do Núcleo de Transplantes do InCor.
Confira abaixo a entrevista do padre Edalto Miguel Pereira ao site Coração & Vida:
C&V – Como você descobriu que iria precisar de um transplante de coração?
Padre Edalto – Por volta do mês de maio de 2010, eu estava estudando Teologia na Itália e foi lá, durante uma visita de rotina da médica do Seminário, que foi detectada uma arritmia cardíaca. A médica me encaminhou a um cardiologista e, em seguida, fiquei uma semana internado. Depois, fui para Milão e fiz uma cirurgia de marcapasso. Em agosto do mesmo ano, minhas pernas começaram a inchar e fui internado novamente. Meu coração dilatou e detectaram insuficiência cardíaca. Fui internado novamente, até que foi resolvido que eu iria precisar de transplante. Em fevereiro de 2011, voltei ao Brasil, fiz exames e o coração voltou a funcionar, mas fui piorando até o transplante.
C&V – O que você sentia?
Padre – No meu caso foi tudo muito difícil porque foi acontecendo aos poucos. Fui perdendo as forças, ficando com dificuldades para respirar, caindo, enfraquecendo… Foi dolorido porque antes da doença eu costumava correr. O fôlego já me faltava, emagreci, os rins enfraqueceram, tinha dificuldades para urinar e por isso não podia beber muita água. Com isso, minha pele inteira ressecou. Cheguei ao ponto de ficar só na cama, sempre sentindo muito frio. Sentia uma impotência muito grande, mas a fé me alimentava.
C&V – E quando o transplante ocorreu?
Padre – Em julho de 2014. Os médicos decidiram que não dava mais para esperar. Do dia em que fui liberado para o transplante até a cirurgia eu esperei 10 dias. Fiz a cirurgia no dia 11 de julho de 2014 e no dia 1º de agosto eu já estava saindo do hospital.
C&V – Como foi todo o processo do transplante?
Padre – Tive uma rejeição, cheguei a ficar cinco dias internado depois da cirurgia. Mas foi tudo resolvido e dois meses depois eu já estava com a vida renovada e nunca mais tive qualquer intercorrência.
C&V – Quem te ajudou durante esse período?
Padre – A minha família, que é muito unida, e meus amigos. A amizade e o carinho foram fundamentais, além da fé. A gente não pode cair na falta de esperança, eu perdi tudo como ser humano, mas o apoio foi fundamental para mim.
C&V – Como ficou sua trajetória na Igreja depois da descoberta da doença?
Padre – Quando eu descobri a doença, continuei no Seminário e consegui ir à faculdade. A Igreja se aproximou de mim nesse período, eu não me senti um inútil. Apenas em um momento, quando eu era diácono, em 2014, eu pedi para ficar em casa, não estava bem. Mas me ordenei padre um ano depois do transplante.
C&V – A sua vida hoje, como ela é?
Padre – Hoje eu tenho uma vida maravilhosa, normal, faço natação, canto na Igreja, não sinto cansaço. Posso caminhar durante uma hora que eu não me canso. A única coisa que lembra que sou transplantado é que ainda tenho que tomar alguns remédios, além das cicatrizes da cirurgia. Se não fosse isso, ia parecer que nunca aconteceu nada.
Revisão técnica
Prof. Dr. Max Grinberg
Núcleo de Bioética do Instituto do Coração do HCFMUSP
Autor do blog Bioamigo