Viver com transtorno bipolar

16 de junho - 2017
Por: Equipe Coração & Vida

Imagine acordar sentindo-se extremamente deprimido, a ponto de não querer sair da cama. Agora, imagine que a situação seja revertida ao longo do dia, caminhando para uma euforia desmedida no início da noite, que lhe faz tomar atitudes irracionais e impulsivas e gerando também um estado de insônia. Você dorme mal. Acorda pior. E o clico depressão-euforia tem início novamente.

Este é apenas um dos cenários possíveis envolvendo o transtorno bipolar, doença que atinge cerca de 4% de toda a população mundial, segundo dados da Associação Brasileira de Transtorno Bipolar (ABTB). A associação projeta a mesma proporção entre os brasileiros.

Foto: Shutterstock
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Caracterizado por episódios depressivos em alternância com estados de pura euforia, o transtorno bipolar exige um tratamento contínuo envolvendo medicação e terapia. Se observados os cuidados necessários, o paciente consegue levar uma vida relativamente normal, mas a falta de tratamento adequado, por outro lado, pode trazer graves consequências.

“Uma consequência extremamente grave é o suicídio, mas há uma série de problemas. Outra coisa que muitas vezes aparece junto com o transtorno bipolar é a dependência de drogas. A doença aumenta bastante o risco de dependência de álcool e de outras drogas”, explica o psiquiatra Montezuma Pimenta Ferreira, do Hospital Sírio-Libanês.

De acordo com Ferreira, o transtorno até pode ser observado em crianças, mas o mais comum é que seus sintomas apareçam a partir dos 14 anos. Trata-se de uma doença marcada por episódios de alteração de humor, às vezes “para baixo” (depressão) e às vezes “para cima” (euforia).

Atualmente, os médicos identificam até mesmo situações de episódios mistos, ou seja, com características de depressão e exaltação no mesmo período.

“O transtorno bipolar geralmente tem início na adolescência, juventude, mas pode se manifestar em qualquer fase da vida. Se não tratada, tende a ser uma doença bastante recorrente. Isso, no entanto, varia. Há pessoas que tem poucos episódios, mesmo quando não o tratam. Esses episódios podem ser desde relativamente leves até gravíssimos. O transtorno costuma interferir bastante na vida das pessoas, no trabalho, nos estudos, nas relações interpessoais. Isso quando não há tratamento”, completa.

E é justamente neste ponto que reside o sofrimento da maior parte dos familiares que convivem com alguém que tem transtorno bipolar. A falta de tratamento, apesar dos prejuízos gerados, muitas vezes não é vista com devida clareza pelo próprio paciente. Esse período sem medicamentos e/ou terapia costuma ser o suficiente para deteriorar sobremaneira as relações da pessoa com seus entes queridos.

Foi o caso de Regina (nome fictício, a pedido da entrevistada), uma jornalista paulistana que viu de perto os efeitos do transtorno bipolar no cotidiano de uma família. Durante seu primeiro casamento, Regina conviveu com um marido que tem transtorno bipolar, mas o tratamento, durante muito tempo, foi deixado de lado.

As constantes alterações de humor e as crises ora depressivas ora eufóricas minaram o casamento, culminando na separação após 10 anos de união. A jornalista explica que a convivência foi fortemente afetada pela instabilidade emocional do companheiro.

“De manhã a pessoa tinha uma opinião sobre algo, de tarde era outra e de noite era outra completamente diferente. Era uma inconstância direta e isso era muito ruim”, explica.

A jornalista afirma ainda que o fato de o ex-marido não ter optado de imediato por um tratamento contínuo gerou diversos desgastes em sua relação, não apenas com ela, mas também com os filhos, amigos e colegas de trabalho.

“Presenciei [desgastes] em todos os aspectos. Emocional, material, espiritual. No âmbito material, o transtorno afeta muito a parte financeira, o trabalho. Na parte emocional, torna-se muito difícil a convivência com as pessoas”, complementa.

Ferreira ressalta que, no caso do transtorno bipolar, a medicação é sempre fundamental ao paciente. “Em Medicina nunca dizemos ‘sempre’, mas, nesse caso, na prática, ocorre isso [necessidade de medicação frequente]”, revela.

O psiquiatra explica que há uma série de remédios que podem ser administrados pelo profissional responsável. Há aqueles que ajudarão o paciente a sair do estado da depressão ou da euforia, há medicamentos coadjuvantes e há também os chamados estabilizadores de humor, usados para que os episódios não recorram.

Os episódios de depressão e euforia costumam variar em intensidade e frequência de acordo com cada paciente. É importante ressaltar que, assim como na depressão pura, tais episódios são diferentes de simples aborrecimentos e alegrias cotidianas. Tanto os momentos de depressão, quanto os de euforia, podem durar dias e representam um forte impacto emocional, com consequências muitas vezes incontroláveis para o paciente e as pessoas mais próximas.

A partir do diagnóstico médico de transtorno bipolar, o psiquiatra apontará ou não a necessidade de internação. Os profissionais buscam o tratamento menos restritivo possível, mas, por vezes, após deliberação com a própria família do paciente, é preciso interná-lo nos cenários em que ele representa eventual perigo a si próprio ou a terceiros.

Independentemente de haver internação, o tratamento busca de imediato retirar os fatores que contribuem para a instabilidade do humor. Como exemplos, o especialista aponta o uso de medicamentos, álcool, drogas ilícitas e até mesmo cafeína como potenciais desestabilizadores de humor, contribuindo assim para a piora no quadro do paciente.

O próximo passo é escolher um remédio para tratar a fase aguda do transtorno e sua escolha irá variar de acordo com a condição da pessoa: se ela tem mais episódios depressivos, se tem mais episódios eufóricos ou se apresenta um quadro misto.

O psiquiatra afirma que é possível levar uma vida normal e bastante produtiva mesmo com o transtorno bipolar, mas ressalta novamente que o tratamento deve ser feito corretamente, em todos os seus aspectos. Para isso, explica, é preciso trabalhar no que se convém chamar de “psicoeducação”, ou seja, mostrar ao paciente e seus familiares quais são os sintomas da doença, suas exigências em meio ao convívio social e as particularidades do tratamento.

“É uma doença crônica e o paciente precisa entender como ela funciona. Ele precisa aprender a identificar os seus próprios sintomas de depressão. Em geral, pedimos que os pacientes anotem os sintomas do dia a dia. O quanto dormiram, como estava o humor, se estavam muito irritáveis, se tiveram ansiedade, se tomaram a medicação. Com isso, eles aprendem a detectar esses sintomas para identificar se há um episódio de depressão começando, por exemplo”, explica.

Nesse caso, segundo e especialista, é preciso conversar com o médico, ficar de olho, verificar se é necessário mexer no tratamento. A automonitoração também é muito importante. Uns mais, outros menos, os pacientes precisam fazer algumas alterações no estilo de vida, mesmo quando estão bem, quando já se recuperaram e saíram dos episódios.

“Ele não deve sair por aí bebendo muito, precisa tomar cuidado com a alteração da rotina de sono. Se puder ter uma vida mais estruturada, com um ritmo de atividades mais regular, isso ajuda a estabilizar o humor”, completa Ferreira.

O psiquiatra chama a atenção ainda para a importância em diferenciar corretamente um quadro de depressão pura com um diagnóstico de transtorno bipolar. Isso porque, de acordo com ele, uma avaliação equivocada pode fazer com que alguém com o transtorno receba somente antidepressivos, algo que é suficiente para quem tem depressão pura, mas que não é eficaz neste outro cenário.

“Os antidepressivos em pessoas com transtorno bipolar têm alguns riscos: podem induzir à mania eufórica, mania irritável; podem induzir o paciente ao estado misto, e podem deixar o curso da doença mais instável. A pessoa começa a ter mais ciclos, mais episódios. Por isso evitamos. É fundamental, quando recebemos um paciente com depressão, investigar a bipolaridade e procurar descartá-la com certeza. Essa confusão é muito comum e, às vezes, é muito difícil mesmo de diagnosticar. Para isso, entrevistamos o paciente com questionários específicos, entrevistamos familiares, quando possível. Isso ajuda a detectar o transtorno”, conclui.

Revisão técnica
Prof. Dr. Max Grinberg
Núcleo de Bioética do Instituto do Coração do HCFMUSP
Autor do blog Bioamigo

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